quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A assassina ditadura da beleza



Mais uma para o rol da beleza suicida. Desta vez, por aplicação de hidrogel para modelar o corpo, numa dose 200 vezes maior que a recomendada por entidades médicas. Mas não foi a primeira nem a última, tampouco a única maneira de se matar em nome da estética. 

No vale tudo para se encaixar ao padrão das "gostosas" e dos "gostosos", vale enfiar a própria vida numa infecção generalizada causada por gel modelador, ou atrofiar testículos e desenvolver cânceres por bombas que tonificam músculos; ou ainda furar os intestinos com cânulas de lipoaspiração; ou, junto de todos esses, perder horas diárias suando numa academia madrugada adentro.

Vivemos numa sociedade esquizofrênica que, por um lado, é repleta de açúcares e gorduras como padrão de sabor e, por outro, é bombardeada por padrões de beleza em arquétipos "photoshopados" com barriga tanquinho; bíceps, coxas, tríceps e quadríceps trincados. Entre a academia e a doceria, entre os anúncios do Mc Donald's e a foto tratada mil vezes da modelo da capa, a equação não fecha, e é capaz de enlouquecer.

Tudo isso explode no contexto da era da imagem, no templo da mídia que é, paradoxalmente, patrocinada tanto pela indústria da gordura trans como pelos estereótipos dos corpos perfeitos. Nesse contexto, não interessa o que você é, o que você pensa e seu caráter, mas a sua aparência (e o que você consome). Homens que não trincam os bícpeps nem definem a peitoral estão fora do rol dos "pegáveis" da balada; mulheres sem glúteos e peitos turbinados estão eliminadas das "gostosas" desejadas.

No mundo insano que se instalou, envelhecer é uma vergonha, então se rebocam rostos com botox, estica-se aqui e ali e, de repente, a cara que deveria ser de uma senhora ou de um senhor se torna uma escultura bizarra que faria inveja até aos artistas mais abstratos. 

As pessoas perdem a própria essência em busca de serem aceitas pela era da aparência, num tempo em que reinam o superficial, o efêmero e o descartável. E, pior que isso, sepultam de vez a possibilidade de serem felizes aceitando a si próprias.

O pensamento de Sócrates, um dos filósofos mais importantes da História, nunca foi tão contemporâneo quanto nos dias de hoje. Ele desafiou as pessoas a conhecerem a si mesmas para compreender a própria natureza, podendo, assim, se transformar de dentro para fora e se relacionar melhor com os outros e com o meio. Se os humanos de hoje fizessem isso, não seriam tão iguais e banais nos músculos trincados, nos glúteos turbinados, nos cabelos alisados, nas caras esticadas e num insuportável vazio intelectual misturado à completa ignorância sobre as muitas possibilidades de beleza.


Vídeos: DE PERTO, NINGUÉM É NORMAL