sábado, 30 de agosto de 2014

Marina Malafaia

ATO 1
MARINA SILVA, NOITE DE 29 DE AGOSTO DE 2014 (EM SEU PLANO DE GOVERNO, NO LANÇAMENTO DO MESMO):

"Apoiar propostas em defesa do casamento civil igualitário, com vistas à aprovação dos projetos de lei e emenda constitucional em tramitação, que garantem o direito ao casamento igualitário na Constituição e no Código Civil"

ATO 2
REAÇÃO DO PASTOR SILAS MALAFAIA EM SEU TWITTER:

Se a Marina não se posicionar até segunda, na terça será a mais dura e contundente fala que já dei até hoje sobre um candidato a presidente. Cristianismo não é religião, é estilo de vida, conduta em todos os aspectos da vida, na política, trabalho, educação, relações sociais etc. Até segunda, espero um posicionamento sobre o lixo moral do Pgm de gov do PSB para favorecer a causa gay.



ATO 3
MARINA SILVA, NA MANHÃ DO DIA 30 DE AGOSTO DE 2014, EM SEU SITE:

O texto do capítulo "LGBT", do eixo "Cidadania e Identidades", do Programa de Governo da Coligação Unidos pelo Brasil, que chegou a conhecimento público até o momento, infelizmente, não retrata com fidelidade os resultados do processo de discussão sobre o tema durante as etapas da formulação do plano de governo

O texto divulgado na sexta foi retalhado, se resumindo a:

"Garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo"






ATO 4
SILAS MALAFAIA, TARDE DO DIA 30 DE AGOSTO DE 2014, SOBRE A MUDANÇA NO PLANO DE MARINA, NO SEU TWITTER:

"Melhoraram muito. Ela fez porque sabe que não pode contrariar o povo evangélico. Decidimos qualquer eleição"


RESUMO DA ÓPERA

A candidata prometia, no seu plano de governo (que é um documento à nação e imagina-se que feito com cuidado e não com promessas que não representam o que a candidata pensa), avançar nos direitos LGBT no campo da política. Mas, menos de 24 horas depois, mudou de ideia  e alterou substancialmente sua posição sobre o assunto, lavando suas mãos diante dele.

Vejamos por quê: o direito ao casamento igualitário hoje é garantido por uma jurisprudência do STF. É um avanço, mas falta uma lei a ser aprovada pelo Congresso Nacional garantindo tal direito, como já aconteceu em muitas das mais evoluídas nações do mundo e também em países latino-americanos, como Uruguai e Argentina.

Ao mudar o texto do seu projeto de governo, Marina deixa de apoiar uma lei garantindo os direitos aos casais gays no Brasil e resume seu papel a "garantir" direitos já conquistados, ou seja, ela não quer fazer nada no campo da política a respeito dessa população.

E o Brasil, que foi o último país a abolir a escravidão, está condenado a ser o último a admitir em lei a união civil de pessoas do mesmo sexo.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O preconceito e nossa covardia


 

Na quinta à tarde eu falava com Reinaldo Bulgarelli, uma referência em estudos sobre a diversidade humana no Brasil, que já trabalhou em projetos da Unicef e presta assessoria para empresas gigantescas focando a aceitação das diferenças no ambiente corporativo. Estou usando seu livro, "Diversos somos todos", nas aulas que dou de Comportamento Organizacional no Senac e consegui encontrá-lo pelas mídias sociais para marcar uma entrevista, que pretendo usar num material que publicarei sobre o tema. Ele terminou a conversa com uma frase animadora: viva a diversidade!

Em fatos concretos noticiados no mesmo dia da nossa conversa, entretanto, a tal diversidade que enaltecíamos era brutalmente ferida. Em um dos casos, em comentários sob uma afetuosa e bela foto que uma garota negra publicara com seu namorado branco no Facebook, escancarou-se o esgoto humano, tão fétido quanto o que estava para ocorrer logo mais, à noite, no jogo entre Grêmio e Santos, em Porto Alegre. 

No caso da foto no Facebook, a violência foi escrita, em expressões como "Onde o rapaz teria comprado a escrava?", "O casal parece que está na senzala" e "Se mexer vira Nescau"; no estádio em Porto Alegre, foi desferida em palavras faladas, como "macaco" e "negro fedido", para ofender o goleiro Aranha, que é negro. Em ambos os casos, escancara-se um horror que sobrevive em pleno século 21, em plena era da globalização dos povos, mesmo com todas as teias digitais capazes de nos conectar com (e nos ensinar sobre) todos os tipos de diferenças.

Os ecos da escravidão são tão vivos quanto estridentes em nossa sociedade. Três séculos depois da chegada de navios insalubres com negros acorrentados para serem vendidos como mercadoria e chicoteados para trabalhos forçados, torturas e horror; e cento e vinte e seis anos depois da assinatura da lei que os libertou, ainda somos um país de Casa Grande e Senzala, como bem trabalhou tal tema o escritor Gilberto Freyre. 

Em uma época que clama por sustentabilidade entre todos os seres que habitam a Terra, ainda existe, no mundo todo, quem acredita que alguns nascem para servir e outros para serem servidos; alguns nascem para comer, outros para serem devorados; alguns nascem para sofrer, outros para curtir os frutos de seu sofrimento. Tudo o que já aprendemos e ensinamos sobre a necessidade de aceitar o outro não bastou, pois aberrações acontecem todos os dias, protagonizadas por pessoas que, ao contrário da selvageria que demonstram ter, vivem muito bem, se alimentam muito bem e têm acesso ao que a sociedade produz de melhor.

Estamos órfãos de um enfrentamento real de todos os tipos de preconceito, que comece na educação e ecoe nas mais altas esferas do poder representativo. Estamos carentes da coragem de encarar esse tema sem nenhum tipo de concessão. Estamos covardes diante de um assunto que precisa estar presente e trabalhado claramente, sem subterfúgios ou eufemismos, sem "cuidados" preconceituosos, em todas as fases da vida educacional, da primeira infância ao último dia de vida: a diversidade e todas as suas ramificações.

É normal ser negro ou branco, ser hetero ou homo, ser travesti ou transgênero, ser religioso ou ateu, ser artista ou matemático, ser espontâneo ou inibido. O que não é normal é se achar mais normal que os outros. Volto a Bulgarelli para citar um aspecto de seu lindo trabalho: abraçar a diversidade não é incluir os diferentes em um grupo de "normais", porque todos somos diferentes uns dos outros. E é na diferença que está a nossa riqueza e nosso maior patrimônio: nossa essência.

Se queremos sobreviver à era da sustentabilidade, precisamos aprender e ensinar o valor da diversidade e enfrentar sem nenhuma reserva todas as manifestações de preconceito. Ou morreremos junto às matas que queimamos, ao mar que poluímos e ao ar que pintamos com a fumaça da nossa nuvem individualista, egocêntrica e arrogante.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Eleições: o buraco é mais embaixo

O debate de ontem e a campanha eleitoral como um todo mostram algo inegável, tanto à direita quanto à esquerda: o esgarçamento do modelo político brasileiro e a necessidade de novos caminhos que aproximem representantes e representados na nossa jovem democracia. 

Dos candidatos presentes ontem nos estúdios da Band, os dois cujos partidos já passaram pelo comando da República eram, de alguma forma, vidraça. Dilma, a maior delas, por ocupar o cargo mais importante de um governo que está há três mandatos no poder; Aécio, por representar dois mandatos do governo anterior e seu legado nada popular. Na tangente desse embate, surge Marina, que, mesmo sem uma proposta bem definida, ganha espaço como um "novo" que ninguém sabe entender direito, mas de qualquer jeito parece "novo".

O crescimento de Marina, que defende a fusão entre direita e esquerda e confunde oprimidos com elites; que quase ninguém conhece e cada vez mais gente ama, escancara a necessidade de reformar a política antes que ela se desintegre como alternativa à vida democrática, abrindo caminho aos ditadores sempre de plantão. A questão está além da estabilidade econômica arrogada pelo PSDB, a diminuição da desigualdade gerada pelo PT ou a sustentabilidade adaptada ao PSB. É a política como um todo que precisa ser discutida e isso necessita ser encampado por todos os partidos caso eles não queiram se misturar à geleia geral que levará todos ao mesmo abismo.

Não sejamos hipócritas! Vença quem vencer, precisará negociar com o PMDB de Sarney e com outras velhas raposas se quiser governar; precisará trocar cargos por apoios no Congresso se quiser ter projetos aprovados; precisará retribuir o que as empresas privadas e os bancos investiram nas suas campanhas; precisará ceder aos currais religiosos que ameaçam com pautas dogmáticas; e precisará jorrar dinheiro público na mídia para não ser fuzilado por ela. É essa engrenagem enferrujada, que foi utilizada tanto pelo PSDB quanto pelo PT, que precisa ser alterada e isso só será possível com o engajamento de toda a sociedade, hoje muito mais conectada com as teias digitais e, portanto, mais capaz de se engajar.

O que está em questão não é a permanência do partido X no poder, a volta do partido Y ou a chegada de um partido Z. A questão é se queremos ou não trilhar e desenvolver o caminho democrático, o único por meio do qual sociedades no mundo todo conquistaram o Estado de Direitos, a pluralidade de opiniões, o respeito às diferenças e as leis que permitem a convivência digna entre as pessoas.

Se queremos evoluir no sentido da liberdade, é hora de colocar em prática a tão falada (e nada praticada) reforma política. Só ela poderá parametrizar a fidelidade ideológico-partidária, acabando com a orgia de legendas de ocasião, banindo o financiamento privado de campanhas (tema que já está em curso, mas foi barrado no STF pelo mesmo Gilmar Mendes que soltou o médico-monstro-estuprador) e coibindo o fisiologismo parlamentar. É necessário acabar com a reeleição ininterrupta de vereadores, deputados e senadores que fazem da política uma sólida carreira profissional, muitas vezes sem nenhum compromisso com o interesse público. E é fundamental que se levantem as bases verdadeiras de um Estado laico, idealizado no século XVIII pelos iluministas na Revolução Francesa, mas que ainda não é totalmente claro na sociedade brasileira. Outro ponto é impedir que se mantenham monopólios midiáticos privados que fazem o papel de uma inquisição da opinião pública.

A questão, portanto, vai além de eleger Dilma, Marina ou Aécio. A questão é elegermos a democracia como um bem precioso do povo brasileiro, conquistada com luta e sangue e necessária para a vida com dignidade. Isso requer responsabilidade não apenas dos políticos-representantes, mas principalmente de todos nós, representados, que os escolhemos. O buraco é mais embaixo, e é problema nosso.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Marina, "petralhas" e "coxinhas"

Direita atropelada, esquerda contundida. É o efeito Marina, segundo uma pesquisa de boca-de-caixão feita pela Folha ainda quando os restos mortais de Eduardo Campos eram coletados.

A princípio, os tucanos estavam felizes com a novidade no tabuleiro eleitoral, considerando a chance de segundo turno que Marina traria ao capitalizar votos. Entretanto, ela trouxe mais: o segundo turno parece inevitável, mas sem garantia nenhuma da presença de Aécio Neves (aliás, muito pelo contrário...). Entre petistas, Marina sempre foi pedra no sapato, mas não se imaginava que com poder de derrubar Dilma.

A campanha está só começando e, de repente, a letargia se transformou em uma efervescência generalizada. Raivosos da direita já estão dizendo que Marina é uma “ungida que não negocia”, “autoritária”, dona de uma personalidade de “caráter olímpico”. À esquerda, ela é tachada de “Fadinha da Floresta”, “retrocesso”, “lado B tucano”. 

Há quem se mostre indignado com o fato de ela dizer que não estava no avião de Campos por “providência divina” (que beneficiou só a ela própria?). Dizem ainda que Marina mistura a Bíblia com a Constituição. Ora, mas Dilma (que empregou um ministro da pesca da Igreja Universal do Reino de Deus) e Alckmin estiveram na inauguração do Templo de Salomão e, lá, a presidente da República disse que “felizes são os que creem”. Na eleição passada, todo o PSDB de Serra se aliou a Silas Malafaia para enfiar questões religiosas nos debates, como se vivêssemos ainda na Idade Média. Será que só Marina mistura religião com política? 

Ademais, é bom lembrar que, se não fosse o STF liberar o casamento gay, nenhum partido teria abraçado a causa no Congresso, por medo de perder votos nos currais religiosos! Nem PT, nem PSDB, nem ninguém! Ou seja, estão todos com a Bíblia nos sovacos!

Há ainda os que criticam o fato de Marina ter pregado o novo e se aliaado aos de sempre. Sim, isso é verdade! Mas, quem está em condições de atirar primeira, segunda e terceira pedras nesse sentido? FHC se aliou a Antonio Carlos Magalhães e a todo o coronelismo que ecoa das Capitanias Hereditárias. Lula e Dilma se apegaram a Sarney. E todos continuam com o PMDB e seu fisiologismo que vem do paleolítico!

Não, não estou defendendo Marina. Nem achando que ninguém presta na política, pois esse pensamento só beneficia os aspirantes a ditadores. Em todo o mundo, a prática democrática é um jogo muito mais complexo que a dicotomia entre "santos" e "demônios", e ele depende muito da consciência e da participação de todos. 

Nesse sentido, a chegada de Marina Silva (essa complexa figura que já foi companheira de Chico Mendes defendendo seringueiros, ministra de Lula e hoje dialoga aos sorrisos com conservadores, tendo um banco como mecenas) está nos dando a chance de refletir sobre os passos fundamentais a serem dados para consolidarmos nossa jovem democracia. 

O buraco é muito mais embaixo que discussões cegas e intolerantes entre “petralhas” e “coxinhas” (gírias inventadas entre eles para se alfinetarem, se metralharem e se matarem). O nó está em um modelo arcaico sobre o qual se sustenta nossa democracia, financiada por grandes empresas privadas, especulada por uma mídia maquiavélica e onde a ideologia é constantemente sequestrada pela "governabilidade".