domingo, 13 de abril de 2014

A leveza de ser cego, gay, humano...


Nascer cego, viver na escuridão diante da difícil descoberta da própria homossexualidade e sofrer bullying duplo (pela cegueira e pela vocação sexual) na complicada fase da adolescência, é uma difícil sina, certo? Errado! Para "Hoje eu quero voltar sozinho", filme nacional que acaba de estrear nos cinemas, as coisas são mais simples, porque a vida pode ser mais simples.

O filme deriva do curtametragem "Eu não quero voltar sozinho", de 2010, que fez grande sucesso nas teias digitais, recebendo prêmios em festivais como o de Paulínia, Mix Brasil e Aruanda. O longa de agora já foi aclamado em salas europeias, como no Festival de Berlim, onde levou o Fipresci, prêmio da crítica internacional, e o Teddy Bear, focado nas temáticas LGBT.

A piscina da casa da melhor amiga, a sala de aula, os encontros noturnos com bebida escondida e o quarto nos momentos de estudo com o amigo que desperta um sentimento muito mais forte que amizade são alguns cenários constantes do filme. Trata-se de um cotidiano adolescente vivido na cidade de São Paulo, com sotaque tipicamente paulistano, mas que serve a qualquer cidade, estado, país, ser humano e idade.

Focado nos personagens de Guilherme Lobo (Leo), Fabio Audi (Gabriel) e Tess Amorin (Giovana), não-estrelas que brilham em excelentes atuações dirigidas por Daniel Ribeiro, "Hoje eu quero voltar sozinho" é uma obra sobre as fronteiras da descoberta. E o mais interessante é que consegue estilhaçar os muros da intolerância não com bandeiras, panfletos ou berros, mas com algo que tanto falta a héteros, homo, bi, trans ou pansexuais: ternura.

Com leveza, naturalidade e graça, o filme consegue trabalhar, encarnados em um só personagem, dois tabus da vida: a deficiência e a sexualidade. E em vez de sentirmos pena do garoto cego que, na escuridão de sua vida, se descobre gay, nos inspiramos e nos encorajamos com sua conduta, com sua coragem que não é bruta, mas meiga; com sua esperança que não é ingênua, mas pura; com sua possibilidade de amar e ser amado que transcende limitações do corpo, da mente e do coração.

O clímax de "Hoje eu quero voltar sozinho" está na resposta mais bela e ousada que se pode dar à intolerância dos preconceituosos: quando esperamos que Leo reaja com violência às provocações dos amigos que o escracham diante do "namoradinho", ele pega na mão do rapaz e caminha para a frente, mostrando que a maior coragem de cada um consiste em, independente de padrões ou tradições, assumir o próprio caminho ao lado de quem se queira dividir a caminhada.

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