domingo, 29 de dezembro de 2013

Anderson grita, a plateia se lambuza

FOTO SXC
Nunca entendi as lutas. 

Quando adolescente, via incrédulo a exaltação que se fazia na mídia a Maguila e a Mike Tyson, dois seres com dificuldade de completar uma frase. Me enojava a febre de "Rock" no cinema (que nunca acabava e se repetia em versões 2, 3, 4...). Stalone sangrando e desfigurado vestindo aqueles shorts com a bandeira americana era para mim mais que um insulto à inteligência, mas também à humanidade.

Meu raciocínio era (e continua sendo) simples, ingênuo: bater em outro ser, fazendo-o sentir dor até cair, não pode ser algo aceitável. Menos aceitável, ainda, é transformar isso em uma arena rodeada de fãs insanos, formando um circo que gera enormes lucros aos grupos empresariais envolvidos.

Acabou o tempo do boxe, mas chegou o tal MMA. Sinceramente, não sei e nem quero saber a diferença entre eles, porque me basta o que ambos têm de igual: a violência travestida de esporte e cultuada como um programa de entretenimento, para ser visto com a família no sofá, comendo pipoca enquanto o sangue escorre nos rostos dos "esportistas".

Claro que não vi a luta desta madrugada, mas é impossível ficar imune ao bombardeio do noticiário sobre os gritos de Anderson Silva e a multiplicação de imagens de sua perna deformada por uma fratura. É bizarro como a mídia se lambuza em todos os momentos: antes, divulga a luta, gerando expectativa para um "programão"; durante, exibe-a de forma triunfal, tal qual se fazia no Coliseu; e, depois, rumina os louros de quem ganhou, a humilhação de quem perdeu e também os detalhes mórbidos de quem se feriu gravemente. Em todos os momentos, lucra.

As fotos, os vídeos e as palavras que se publicam sobre a dor de Anderson Silva mostram uma mídia que saliva diante da tragédia. E uma sociedade onde a violência está no topo do interesse - e do lucro. Tal qual nas novelas e séries, em que a vingança rende o melhor ibope, no esporte não basta a disputa: é preciso sujá-la com o sangue, incrementar ossos quebrando e gritos de desespero.

Não, eu não acho que a humanidade piorou em relação a um passado em que se colocavam inocentes para serem devorados por feras no Coliseu, ou quando se queimavam pessoas em praça pública em nome de Deus (tudo isso com plateia empolgada). Mas também não melhoramos muito. Dentro das arenas pós-modernas (inclusive templos religiosos), em volta delas e nos meios eletrônicos por onde tudo isso flui, continua sendo a violência uma divindade cultuada.

Três séculos atrás, Rousseau disse que o homem e a mulher nascem bons, mas acabam sendo transformados em maus pela sociedade. Freud, no início do século XX, explicou que temos pulsações pela vida e pela morte dentro de nós. Hoje, a neurociência tem descoberto que nosso cérebro responde positivamente a atos de generosidade. Quem sabe sejam lampejos de esperança consciente em um futuro menos violento...

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Globo toma um fora de Porchat



Fabio Porchat, o talento do Porta dos Fundos, acaba de recusar um convite da Globo para comandar o programa de Fátima Bernardes durante as férias da titular (clique aqui para ver notícia do IG.) Ele alegou falta de disponibilidade, mas os motivos são muito maiores que este.

Na verdade, eis um exemplo contundente do novo modelo de comunicação de massa que se desenha. 

Ao recusar trabalhar comandando um programa global, Fabio Porchat está mostrando saber que o futuro não está no velho modus operandi de tantos impérios decadentes de comunicação, entre os quais a Globo, onde as novelas são todas iguais (e cada vez piores), o Jornal Nacional sempre pende para o mesmo lado e todo Natal tem o mesmo Roberto Carlos com as mesmas canções, começando entoando "quando eu estou aqui" e terminando com "Jesus Cristo". 

O futuro está em outras conexões e ancorado em outra vocação comunicativa, onde não existe emissor onipotente e receptor passivo-idiota. Está na interatividade e na liberdade de criar, de que desfruta, por exemplo, o Porta dos Fundos, e em que "delicados" aos puritanos não são censurados e substituídos pelos estereótipos do status quo

Esse contexto, aliás, não é mais futuro, já é presente e realidade irreversível. 

Antes da internet e das mídias sociais, o Porta dos Fundos seria um Casseta e Planeta, que precisava se submeter às imposições de um canal de TV para existir. Mas, hoje, a mesma Globo que enquadrou os cassetas e os jogou fora quando não mais serviam aos seus interesses levam um retumbante NÃO de Porchat. E levarão muitos outros, pois na era digital o monopólio da criação não existe e se gera receita com criatividade livre.

Porchat tem mais o que fazer do que dar atenção à Globo. Ele olha para frente.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Bancada evangélica e fascismo

Bancada evangélica | foto: divulgação/Câmara dos Deputados
“Estamos assistindo a certos segmentos religiosos chocarem o ovo da serpente, expressão que vem do nazismo dos anos 30, na Alemanha: depois que a coisa esquentou é que muita gente se deu conta”. A frase é do escritor e teólogo Frei Betto, e retrata o que acontece no Brasil sob o protagonismo de tristes figuras como Marco Feliciano, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro e seus discípulos.

Frei Betto foi direto ao ponto, ao falar em uma universidade de Brasília no último final de semana: “No Brasil, determinados segmentos religiosos estão cada vez mais partidarizados. Existe no Congresso Nacional a bancada evangélica. Não tenho nada contra os evangélicos, tenho contra essa bancada.”

Sim, é isso! A tal bancada evangélica tem se tornado um braço nazifascista da política brasileira, cujo maior objetivo tem sido o de usar leituras radicais de dogmas cristãos como pretextos para achincalhar o Estado de direito, disseminar ódio e minar as conquistas relativas aos direitos individuais pós-Revolução Francesa, fazendo a sociedade retroagir a costumes medievais. Essa bancada tem agido sistematicamente contra a consolidação de um Estado laico, transformando a religião que lhe serve de curral eleitoral em um parâmetro único e imposto a todos por meio da Constituição Federal, infestando os mecanismos republicanos.

Mais grave ainda é que tudo isso acontece sem nenhuma resistência. Das forças de direita não se pode esperar nada, pois sempre tiveram os dois pés fincados na "moral e nos bons costumes" dos fundamentalistas (e não foi à toa que José Serra contratou Malafaia em duas de suas campanhas eleitorais para pregar o ódio aos gays e criar cortina de fumaça sobre o aborto). Da esquerda, que deveríamos esperar reação, considerando suas bandeiras históricas, pouco se veem iniciativas, pois ela está se acovardando, curvando-se aos dividendos eleitorais da tal bancada e dos seus fiéis, embebedada por projetos de poder e vícios que emprestou da direita.

O risco disso tudo é deixarmos os Felicianos livres para transformar o Brasil numa nação como o Irã, onde o Estado é regido por dogmas e, por isso, mulheres precisam se esconder em roupas que cobrem tudo, humilhando-se aos homens sob o risco de serem condenadas à morte por apedrejamento; onde gays são enforcados em praça pública apenas porque preferem se relacionar com pessoas do mesmo sexo; onde não há sequer liberdade religiosa, pois só existe uma religião que rege todas as leis e onde não existe educação que liberte da alienação, pois tudo é controlado por absurdas regras de um estranho "sagrado".

Voltando ao nosso país e a Frei Betto, ele faz um alerta muito, muito sério: “Precisamos abrir o olho porque está sendo chocado no Brasil o poder fundamentalista de 'confessionalização' da política. Isso vai dar no fascismo.” 

Sem dúvida, vai. Porque o Estado laico contempla todas as religiões como direito, porém um estado religioso não contempla nenhum direito além dos mandamentos dogmáticos de uma única seita. A inquisição foi assim e queimou gente viva.

Em 1964, forças reacionárias, também influenciadas por moralismos, tomaram o Brasil e, por 20 anos, calaram, exilaram, torturaram e mataram os "diferentes". Felizmente, houve os que se levantassem contra e, graças a eles, vivemos uma democracia novamente. A pergunta é: quem se levanta agora para evitar que nos tornemos a República Teocrática Fundamentalista do Brasil?

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Inquisição à vista

Melkor3D/Shutterstock
Enquanto o samba de uma nota só chamado "mensalão" monopoliza as manchetes da velha mídia e todos os textos de colunistas-ventríloquos-dos-seus-patrões-especuladores (há oito anos esse dramalhão não sai da tela), o Brasil dá dois passos no sentido da Idade Média, protagonizados pelo fundamentalista Marco Feliciano, que ocupa a presidência da Comissão de Direitos Humanos.

Feliciano, mais uma vez, conseguiu agir na calada da noite (ou, melhor dizendo, aproveitando-se das sombras de um noticiário viciado e cego). 

Além de fazer passar na sua comissão a ideia de um plebiscito para discutir a união de pessoas do mesmo sexo, também avançou no sentido de anular decisão do Conselho Nacional de Justiça, que determinou aos cartórios de todo o país a obediência à decisão do Supremo Tribunal Federal liberando uniões gays.

Feliciano quer, na verdade, implodir o direito dos gays de se unirem aos seus pares. Quer passar por cima de uma conquista histórica e, pior, usando a opinião pública como refém e cúmplice da sua doentia e estranha obsessão pelo tema. 

Fazer um plebiscito para discutir a destruição de direitos de uma minoria, que não ferem em nada os da maioria é, no mínimo, uma tremenda sacanagem. Isso porque o casamento gay não substitui o casamento entre homem e mulher, não havendo nenhuma relação de prejuízo entre um e outro tipo de matrimônio. A recente conquista (graças ao STF, pois a maioria dos deputados é covarde diante dessa pauta) apenas estendeu aos gays um direito que os héteros sempre tiveram e continuam tendo -e isso no âmbito das leis, não nos templos religiosos, que continuam com total liberdade para impor suas regras homofóbicas aos seus fieis. 

Feliciano quer, na verdade, botar fogo no paiol. Ele quer criar uma guerra "santa" por meio de um "você decide" que custaria muito aos cofres públicos, gerando um debate dogmático e medieval. Sua intenção é rasgar o Estado de direito e trocá-lo pelo transe, tal qual se fazia nos idos da inquisição, agregando dízimos à sua imagem de representante-Mor da moral e dos bons costumes. 

Se o plebiscito vingar (lembremos que Marina Silva já deixou escapar a mesma ideia absurda), Estado e igreja voltarão a se misturar em praças públicas, com fogueiras acesas para queimarem os não-obedientes ao dogma. 

Logo, Feliciano também poderá propor que se discuta se as mulheres devem continuar votando, já que está na Bíblia que elas precisam ser submissas aos homens. Ou se não deveriam usar burca como vestimenta obrigatória.

Nosso sangue negro

art4all/Shutterstock

Contei numa lista dos feriados nacionais de 2013 e, de onze, seis são religiosos, ou seja, a maioria. Soma-se a isso o fato de as cidades comemorarem seus aniversários na data do padroeiro, um santo da Igreja Católica que sequer nasceu no país. Ou seja, paramos totalmente o Brasil e particularmente as cidades brasileiras, quase sempre, em datas estipuladas pela religião. Num estado dito laico...

Hoje não é feriado nacional, apesar de termos apenas uma santa brasileira e mais da metade da população negra. Muitas cidades não aceitam a ideia de parar num dia de consciência sobre nosso principal fator étnico e houve até município que revogou a data, como Curitiba (que poderia mudar-se, talvez, para o Mississipi após a medida). Muitos torcem o nariz para a data de hoje, para o que ela significa e para o que deveríamos refletir acerca de seu significado. E o motivo é óbvio: ainda vivemos num país racista. E existe racismo em frases como "uma data para os negros reforça o preconceito". Será que a mesma pessoa que diz isso também diz, no 12 de outubro, que Nossa Senhora não precisa de uma só data? Ou que as crianças não precisam de data, assim como a mulher, o professor, a mãe, o pai?

Os africanos foram arrancados do seu território, trazidos acorrentados em navios imundos e vendidos como mercadoria para trabalhos absurdos. Os que sobreviviam experimentavam o inferno de subsistir como "raça inferior", tendo de servir estúpidos senhores e estúpidas sinhás. Da mesma forma que foram tirados de seu mundo, foram jogados na sociedade após a abolição da escravatura, sem senzala para viver nem oportunidades para ser alguém. Até hoje amargam a falta de oportunidade compatível com os brancos.

Todos os países que escravizaram africanos têm uma dívida histórica com esse povo, mas nem é sobre isso que quero falar. Todos nós, queiramos ou não, temos uma ou mais gotas de sangue negro correndo por nossas veias. Sim, temos! Mesmo que sejamos branquinhos feito leite. Porque o Brasil se ergueu em grande parte por mãos negras e se formou em miscigenações. Portanto, racistas e viúvas de Hitler por aqui são, além de estúpidos, completos ignorantes sobre si mesmos.

Hoje não é dia só dos afrodescendentes. Hoje é dia do Brasil. E respeitar esse povo que aqui chegou acorrentado, mas enriqueceu enormemente o que conhecemos como Brasil, é também respeitar a nós mesmos, porque fomos formados também por eles, essa riqueza está em nosso DNA, na nossa cultura, nos nossos costumes da cozinha até o quadro que penduramos na parede, passando pelas cores da roupa que vestimos, pelas músicas que ouvimos, pela vida que vivemos.

Há uma gota de sangue negro em cada brasileiro. E a consciência sobre isso deveria gerar o maior orgulho. Todos os dias.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Presidente Jango

Imagem: Agência Brasil
Jango era chamado de comunista porque queria relações comerciais do Brasil com a China, a mesma China com que o mundo inteiro, hoje, quer (e precisa) ter relações comerciais. 

Na verdade, Jango foi vítima de um grande golpe que atingiu vários países da América Latina. Um golpe financiado pelos Estados Unidos, que tiveram como capachos as elites econômicas e a velha mídia, representante-Mor (ontem, hoje e sempre) do conservadorismo predador nesses países. 

Jango foi deposto, peregrinou em exílios e morreu de forma estranha, tal qual Juscelino Kubitschek e outros ex-presidentes de países que sangraram em ditaduras (que, no Brasil, foi apenas "ditabranda" para a Folha, cujos caminhões eram emprestados aos militares torturadores numa cumplicidade sangrenta com a ditadura da qual participaram Globo, Estadão e afins). 

Na verdade, tudo indica que Jango, Juscelino e os outros foram mortos pelos mesmos golpistas que implantaram os regimes ditatoriais. A propósito, um documentário muito interessante, chamado "Dossiê Jango", foi lançado este ano e vale muito a pena assistir, pois mostra evidências de que Jango foi envenenado para nunca mais haver o risco de ele voltar ao país onde não pôde exercer seu legítimo mandato presidencial (escrevi sobre o filme logo que assisti no cinema, em julho - CLIQUE AQUI para ler).

Esse capítulo da história permanecia em aberto, como um livro inconcluso e abandonado, uma ferida que não cicatriza em uma das pernas da democracia brasileira. Hoje, ao menos a obra foi reaberta bem na página em branco, respingada de sangue: os restos mortais de Jango chegaram a Brasília e passarão por exumação. 

A chegada de Jango à capital federal é, em si, um capítulo a parte: depois de crucificado pela mídia catastrofista (a mesmíssima de hoje), deposto, exilado, possivelmente morto pela tirania e quase esquecido pela história e pela Justiça, ele é recebido com honras de chefe de Estado, como foi, de fato, escolhido pela vontade popular (pois, na época, o vice também era escolhido nas urnas).

A investigação (tardia) da morte e a possibilidade de o Congresso anular a sessão que depôs Jango fazem, simbolicamente, a história começar a ser reescrita, do presente para reparar o passado. Quem sabe para que, no futuro, estejamos completamente livres dos cálices de vinho tinto de sangue e do "cale-se", tão bem definidos por Chico Buarque.

domingo, 10 de novembro de 2013

Só falta enterrar a velha mídia

SXC

Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas e divulgada na semana que passou (não pelos veículos tradicionais de mídia) é uma verdadeira bomba-relógio prestes a explodir no colo dos barões da comunicação. Diz o levantamento da FGV (clique aqui para ler) que nada menos que 70,1% dos brasileiros não confiam nas emissoras de TV e 62% desconfiam dos jornais impressos.

Considerando o que ensinam as melhores escolas de jornalismo do mundo, que a credibilidade é o maior patrimônio de qualquer publicação (e em qualquer plataforma), trata-se de uma notícia que configura mais um prego no caixão da velha mídia (e entenda-se por velha mídia não necessariamente o papel, a rádio e a TV, mas a velha forma de noticiar numa via de mão única, em que o espectador é bombardeado sem direito à dialética).

Soma-se a esse cenário sombrio para os velhos modelos midiáticos uma notícia divulgada neste domingo, revelando que um dos maiores títulos do jornalismo impresso da América Latina (o Estadão) está à venda. Pior que isso: ninguém quer comprá-lo (clique aqui para ler). 

Essa crise, claro, se explica em grande parte pelo crescimento vertiginoso das conexões digitais e, em especial, das mídias sociais, que colocaram um novo patamar interativo entre as pessoas, inclusive quebrando a via de mão única do velho modelo. Entretanto, há outro notável fator a explicar a derrocada da velha mídia: ela vem fugindo cada vez mais da verdade factual atendendo a outros interesses.

É muito fácil encontrar provas dessa situação. Basta, por exemplo, ler as colunas da ombudsman da Folha, em que ela aponta desvios sérios de rota do próprio jornal em que trabalha, que não são simples erros, mas condutas que distanciam o dito "maior jornal do Brasil" da verdade factual. O mais recente foi apontado hoje por ela: para noticiar uma bomba contra Kassab, a Folha usou na manchete de capa a palavra "prefeito" em vez de "ex-prefeito", tentando confundir o leitor e atingir o atual alcaide.

Já faz meses que tanto a Folha quanto outros jornalões e emissoras de TV estão em campanha política, atendendo a interesses de quem se locupleta com os seus. Isso sem contar os interesses econômicos junto a seus anunciantes. Para isso, geram terrorismo noticioso, sensacionalismo, fazem comparações incomparáveis, previsões alarmistas e sem base alguma, fartando-se de colunistas que cantam um samba de uma nota só com intolerância, ódio e distorções. Trata-se de um festival do "jornalismo" especulativo e cheio de más-intenções.

A velha mídia só não se atenta para um fato: leitores e espectadores não gostam de ser tratados como idiotas. Aliás, quem gosta? Daí a desconfiança apontada pela FGV, daí o Estadão à venda, daí a velha mídia vivendo seu epílogo, num processo que poderíamos interpretar como lento suicídio.

R.I.P, velha mídia!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Jorge Dória e os buracos na cultura


Uma vez assisti a uma peça de Jorge Dória no teatro que vive em reforma (e nunca tem nada de arte) em Americana, cidade em que nasci e vivi por vários anos. Ao fim da peça, ele teve de fazer aquela estranha (eu acho estranha e desnecessária) leitura dos patrocinadores do evento, mas antes fez um discurso de lamento pelo que sentia naquela situação. 

Dória disse que muitas cidades do interior reclamam da falta de opção cultural, mas quando há essas opções, que exigem enorme esforço das companhias teatrais, várias cadeiras dos teatros ficam vazias (e havia espaços vazios no pequeno teatro da cidade). 

Vi outras tantas peças no mesmo (fechado eternamente para reforma enquanto se torra dinheiro com avenida bonitinha) teatro de Americana. E lá estavam os "buracos" na plateia. Paulo Autran, Jô Soares, Diogo Vilela, até óperas em que era necessário ler a legenda na parede ao lado do palco e assistir à obra como numa partida de tênis... E lá estavam os "buracos"...

Enquanto isso, na festa do peão, os camarotes caríssimos vivem cheios.

Que Dória brilhe em outros palcos. E que a cultura sobreviva aos reis dos camarotes!

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Folha faz assessoria aos EUA



Manchete de hoje da Folha de S.Paulo deixa claro por que o jornal deu destaque, no início desta semana, ao fato de o governo brasileiro ter "espionado" agentes internacionais aqui. O jornal forçou a barra, comparando observações que um setor de inteligência faz, em qualquer país, com quebra de sigilos digitais alheios, invasão de contas e de privacidade, afronta a leis internacionais e, portanto, crimes cometidos pelos EUA contra brasileiros, alemães etc...

Questionei a ombudsman da Folha anteontem sobre o tema, via e-mail: "O jornal confunde o leitor ao misturar quebra de privacidade na internet, um crime praticado pelos EUA contra vários países do mundo (caso que projetou nosso país ao ser firme em defesa da soberania), com observações feitas por órgãos de inteligência do governo brasileiro, prática comum a qualquer Estado do mundo. São coisas diferentes, mas para a Folha foi um pretexto para confundir a cabeça do leitor e passar o seguinte recado: o Brasil reclama de Obama, mas também espiona. Ou seja, o Brasil é hipócrita, o Brasil é mentiroso, o Brasil é ridículo!!! Vivam os EUA!!!". E ela me respondeu, concordando: "Prezado Marcos, eu acho que o jornal deveria deixar mais clara a diferença entre a espionagem patrocinada pelo governo brasileiro e o que o governo Obama está sendo acusado de fazer. Não é só um problema de escala, como foi dito ontem".

O que a Folha queria com a manchete de segunda-feira está publicado hoje: através da confusão maliciosa, prestar serviço ao governo americano, que aproveita a "notícia" para dizer que "todos espionam". Bingo! Ou seja, deixem os EUA dominarem o mundo por meio de práticas subterrâneas, desonestas e que minam o espírito de cidadania e dos direitos individuais. E o Brasil que saiba qual é o seu lugar: de colonizado subserviente (como é o jornal em relação aos seus anunciantes, ao grupo político que o patrocina e também aos heróis da terra do Tio Sam).

Não estranha um jornal que ofereceu seus caminhões à ditadura e chamou o ciclo militar brasileiro de "ditabranda", tentando dizer que não foi um período violento, fazer esse tipo de "jornalismo". Só seria mais honesto a Folha trocar o slogan que mantém na capa ("Um jornal a serviço do Brasil"). Que tal passar para "Deus salve a América?".

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O rei do camarote e a guilhotina


Parecia que a Veja já tinha feito tudo de mais surreal, mas eis que surge o "rei do camarote" na capa da Vejinha São Paulo e um vídeo estrelado por ele no site da revista, uma das coisas mais bizarras de se assistir (clique aqui para ver). 

Alexander de Almeida, o herói da revista que se diz importante, é um empresário "dono dos dez mandamentos" para reinar na noite: beber champanhe (mesmo preferindo vodca), dirigir sua Ferrari embriagado, vestir roupas das grifes mais caras para "ganhar" mulheres interessadas em seu dinheiro, tietar celebridades para agregar valor ao seu camarote, levar seguranças à tiracolo para assegurar sua integridade física, torrar 50 mil reais em uma noite brincando com a maquininha de cartão de crédito como se fosse um telefone e pagar mico diante de todo um país.

É um paradoxo, mas o dinheiro tem o poder de comprar uma das coisas mais sem valor do planeta: a futilidade. Pior é quando essa mistura de riqueza material com pobreza de espírito vira pauta e ganha a capa de uma publicação que faz do fútil um exemplo a ser propagado por todo um país. Pior ainda é o fato de este país ter o desafio histórico de vencer a desigualdade social (e sua mais importante conquista têm sido justamente a redução da miséria) e estarmos em um mundo que implora por sustentabilidade.

O "rei do camarote" é um alienado que imagina ter o planeta girando em torno do seu umbigo, certo de que dentro da sua Ferrari ou na embriaguez de sua champanhe servida com fogos na balada não há as leis dos pobres mortais, e que seu cartão de crédito é capaz de torná-lo a pessoa mais interessante do universo, amado pelas lindas e lindos que o rodeiam. Seu comportamento é idêntico ao de boa parte da elite paulistana, em especial, e da brasileira, em geral. A diferença é que ele concordou em expor tudo isso, enquanto outros apenas praticam, sem contar.

Pior que Alexander, o grande babaca endinheirado, é quem lhe dá holofotes posando de veículo "formador de opinião" e "indispensável" para o país. Bem pior que sua estupidez é transformá-la em modelo a ser seguido ou admirado, é imaginar que sua vidinha miseravelmente rica seja parâmetro para alguma coisa que não seja repulsa. Para a Veja, Alexander é o rei, enquanto nós somos súditos. Com tal publicação, a revista está dizendo que a ode ao material, o egoísmo e o desprezo ao humano são um projeto de vida, sinônimo de sucesso e felicidade.

Ao coroar Alexander, Veja cospe no Brasil e no ser humano, dizendo algo como a frase atribuída a Maria Antonieta: "Se o povo não tem pão, que coma brioches". O lado bom disso tudo é que, tal qual a monarquia foi guilhotinada pela Revolução Francesa, a velha mídia está sendo varrida pela revolução digital. Prova disso é que, em apenas dois dias, uma das muitas páginas criadas na internet para debochar do "rei do camarote" (clique aqui parar ver) conseguiu 100 mil seguidores (um terço da tiragem que Vejinha conquistou em décadas) e a repulsa à pauta nas discussões pela web supera em muito a própria credibilidade de Veja.

Lembrando uma frase de Victor Hugo em "Os Miseráveis", "A pobreza e o luxo são dois conselheiros fatais, um ralha, o outro lisonjeia". O ralhar contra Alexander e a Veja pelas mídias sociais são a queda da Bastilha na comunicação brasileira e mundial.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

A madrinha da bateria da mídia podre


Existe um limite para os pretensos profissionais do humor? Qual seria? O que separa o direito à gargalhada aos que veem graça no esculacho alheio da dignidade dos que podem ser ofendidos? Em tempo de Danilo Gentili, de Rafinha Bastos, de Pânico e afins, a pergunta é muito necessária!

Gentili, que ficou famoso com escrachos no CQC e ganhou um programa só dele na TV, mais uma vez passou de todos os limites. Desta vez, comparou uma doadora de leite materno (por sinal, a maior doadora do país), usando sua foto sem permissão em rede nacional, a um ator pornô, com o enorme mau gosto de costume. "Em termos de doação de leite, ela está quase alcançando o Kid Bengala", disparou o apresentador (clique aqui para ler).

O resultado da "brincadeira" não poderia ter sido pior. A mulher passou a ser humilhada e chamada de "vaca do Gentili". O dano público à sua honra foi tamanho que ela disse que não mais doará leite materno. Ou seja, além de destruir a imagem de uma pessoa, Gentili conseguiu barrar um ato de cidadania voluntário que deveria ser exaltado nos meios de comunicação, para que pudesse servir de exemplo, e nunca ridicularizado num modelo de mídia em que sobram Gentilis e falta dignidade.

O fato é que as empresas de comunicação do Brasil gozam de um poder sem limites. Publicam o que querem e, mesmo quando processadas por quem ofendem, empurram os processos com recursos infinitos, contando com a influência que exercem diante das autoridades jurídicas (só para lembrar, o presidente da suprema corte brasileira tem um filho trabalhando na Globo e frequenta as rodinhas de celebridades globais). Para piorar, apenas meia dúzia de famílias praticamente manda na opinião pública brasileira, pautando o debate nacional conforme seus interesses.

A mulher ofendida por Gentili recorreu à Justiça, mas dá para acreditar que se fará alguma justiça além de uma multinha que a emissora pagará com o valor de um único comercial veiculado em horário nobre? Para piorar, o caso dará ainda mais ibope ao apresentador, que, consequentemente, ganhará ainda mais espaço na TV para ofender outros e outros e outros... É assim com ele, é assim com Rafinha, é assim com Reinaldo Azevedo (clique aqui para ler sobre o novo colunista da Folha, que defende Feliciano e chamou Niemeyer de idiota)... É assim com os polemistas que se prestam a uma indústria de excrementos desinformativos desrespeitando, ofendendo, deturpando.

Essa é a mesma mídia que, nos anos 80, destruiu a família proprietária da Escola Base, quando escancarou em manchetes acusações de assédio sexual praticado contra alunos sem que o fato nunca tivesse existido e sem que nenhum dos "comunicadores" responsáveis fossem punidos pela mentira veiculada. É a mesma mídia que inventa apagões e crises, que faz chantagem pela alta de juros, que mantém presidenciáveis como "imparciais" colunistas, que especula livremente contra pessoas, contra um país, reforçando estereótipos, preconceitos e intolerância.

Gentili é só a madrinha da bateria dessa mídia podre. Há toda uma avenida Brasil tomada pela fábrica de aberrações comunicativas, cada vez mais bizarra nas alegorias e adereços...

Maísa, 11, não quer engravidar já



Maísa, aquela garotinha que Silvio Santos transformou numa apresentadora de auditório, diz a uma revista de fofocas publicada pela Globo: "Estou solteira, solteiríssima. Não é hora de namorar ainda, sou muito nova e não quero engravidar por enquanto" (clique aqui para ler).

Maísa tem 11 anos.

Oi?

Isso mesmo! Maísa tem 11 anos, mas em sua cabeça já trafegam temas como relacionamentos amorosos, sexo e gravidez. Isso além de toda a pressão de ser uma profissional precoce da TV.

Claro que, ainda mais na era da multi-informação digital, garotos e garotas merecem ser educados sem mistérios nem moralismos castradores, tampouco manipulados por tabus ou preconceitos sobre a vida, seus riscos, oportunidades e prazeres. Mas, e a infância?

Num tempo em que a existência é condicionada ao consumo e a comunicação de massa se limita ao show e ao sensacionalismo, as crianças estão entre as maiores vítimas. A publicidade (para a qual o jornalismo presta serviço, subserviente ao todo-poderoso mercado anunciante) descobriu que colocá-las na mira de seu canhão de apelos gera mais dividendos. Primeiro, porque antes dos sete anos de idade não fazemos a relação entre causa e consequência. Segundo, porque, sobrecarregados de trabalho e com pouco tempo em casa, pais e mães ficam mais vulneráveis aos desejos dos filhos. Fecha-se, então, o ciclo. Um exemplo? Xuxa prestou-se a essa indústria e fez escola, com uma estratégia infalível: a loirinha sensual faz a cabeça dos baixinhos e os baixinhos fazem os pais comprarem.

Soma-se a isso outro fenômeno muito grave: a erotização precoce. A fórmula de transformar crianças em adultos não só as torna monstrinhos consumistas, mas também as sexualiza antes mesmo que cheguem à puberdade. Aliás, sobre isso, Frei Betto fala com muita propriedade, ao dissecar a estratégia do mercado: incitar nas crianças os apelos ao consumo e à sexualidade para que, embebedadas pelo mundo adulto, sejam consumidoras sem senso crítico.

Não tenho absolutamente nada contra o sexo (muito pelo contrário!) e acho absurda sua demonização, feita por muitas religiões que escravizam seus fieis a um moralismo estúpido. Mas sou a favor da infância e do direito inviolável de as crianças viverem como crianças. 

Maísa não quer mais brincar. Aos 11 anos, ela já tem muitas preocupações: o trabalho, a carreira, a fama, os relacionamentos amorosos, a idade certa para engravidar e as entrevistas para revistas de fofocas. Sua infância foi roubada, violentamente, por uma paternidade/maternidade que não educa e por uma mídia vendida aos seus anunciantes, ao dinheiro e sem nenhum valor da vida.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Reinaldo Azevedo, por ele mesmo


Reinaldo Azevedo é um símbolo do que a velha mídia tem de mais reacionário. Blogueiro da Veja, ele agora chega também à Folha, ganhando espaço numa mídia que, emprestando palavras de Stanislaw Ponte Preta, se locupleta.

Mas, não vou aqui desqualificar Reinaldo com juízos de valor, ironias, ofensas, calúnias, injúrias e difamações, como ele faz com as muitas pessoas contra quem dispara hostilidades. Apenas coletei algumas de suas frases e reproduzo abaixo.

Palavras de Reinaldo Azevedo:

"Cultura negra não existe. Esse negócio de Mama África é uma forma de enganar trouxas".

"Morre Oscar Niemeyer, metade idiota".

"Querem deslegitimar Marco Feliciano" (em defesa do pastor presidente da Comissão dos Direitos Humanos).

"Não vejo nada de despropositado na proposta do deputado João Campos (PSDB)" (em defesa do autor e do projeto de cura gay).

"Daniela Mercury, a lésbica estatizada da Bahia" (ironizando a cantora baiana quando se revelou homossexual).

"A imprensa brasileira endossa as violências institucionais patrocinadas pelo sindicalismo gay".

"Não é possível que o movimento gay reivindique também a condição de educador das crianças".

"Digamos que vote - e, se ele for candidato, votarei, sim!" (assumindo seu partidarismo por José Serra).

"O Brasil será conivente com a escravidão de médicos cubanos e ainda mandará dinheiro para Cuba" (sobre o Mais Médicos).

"Essa imprensa, para demonstrar que não é antipetista, atira, se preciso, em tucanos, ainda que contra a evidência dos fatos" (defendendo os tucanos denunciados no escândalo do cartel e das propinas no metrô de São Paulo) .

"Vou votar em Andrea Matarazzo (45450) para vereador em São Paulo" (o mesmo político acusado de ser um dos chefes do trensalão, que teve até os sigilos quebrados).

"Significa que o resto do mundo aplaude a nossa incompetência" (ironizando a eleição histórica de um brasileiro e o primeiro latino americano à presidência da Organização Mundial do Comércio).

"Já escrevi aqui vários posts sobre as boçalidades habitualmente ditas pelo líder dos Racionais MCs" (ofendendo Mano Brown e defendendo o cantor Lobão).

"É uma coleção de asneiras do 'grande' Hobsbawm". (desdenhando um dos maiores prensadores contemporâneos do mundo).

"Marilena Chauí e esses microgrupos são, em suma, fascistas disfarçados de amantes da humanidade" (caluniando uma das maiores intelectuais do Brasil).

"Canalhas", "covardes", "bandidos", "ignorantes" (sobre os ativistas que libertaram os beagles do Instituto Royal.

A mídia faz testes em humanos


Em editorial intitulado "Comportamento animal", a Folha de S.Paulo faz, nesta quarta-feira, seu julgamento (sumário e condenatório) das pessoas que resgataram cães beagle que eram cobaias no Instituto Royal. No título, o jornal já sugere o que crava no texto: os "invasores" são "irracionais" e "tresloucados".

Não há nenhuma citação de fonte no editorial para sustentar a defesa que a Folha faz das pesquisas com animais, tampouco qualquer contraponto, como reza o bom jornalismo, sobre a real eficácia desses testes, para que o leitor tire suas conclusões. Ou seja, sem sequer usar argumentos, a Folha apenas sentencia, ignorando dados que seriam relevantes para esse debate (se o jornal quisesse fazê-lo). Vamos a eles:

A eficácia dos experimentos com cobaias é algo crucial para se refletir acerca do tema, mas a Folha não faz sequer menção a isso. Lembremos, então, um dado no mínimo perturbador: o órgão regulador de medicamentos dos Estados Unidos (o FDA) tem um estudo recente mostrando que nada menos que 92% de todas as drogas aprovadas em testes com animais falharam quando aplicadas em humanos (citado numa matéria do Terra, clique aqui para ler).

Outra questão está no âmbito da legislação. O jornal cita, sem explicar, leis que estariam fazendo o Brasil evoluir para um uso menor de cobaias, mas ignora (ou sequer sabe de) um fato que põe por terra boa parte do seu texto-sentença: não há, em nosso país, nenhum órgão que valide métodos alternativos ao uso de animais em experimentos (a notícia está no G1, clique para ler). 

Mais um ponto importantíssimo é a questão dos cosméticos, que consomem grande parte das torturas em animais-cobaias. A Folha não toca no assunto, e também se esquece (ou finge esquecer-se) de uma notícia que saiu no Uol, de sua propriedade, este ano: a União Europeia deu um grande exemplo e já proibiu a venda de quaisquer cosméticos fabricados com testes em animais, o que mostra que há, sim, alternativas (clique para ler). Porém, enquanto isso, no Brasil milhares de animais passam por sofrimento extremo para uma indústria que não salva humana vida nenhuma, mas apenas serve-se à vaidade e ao supérfluo.

Ou seja, seria possível, sim, debater a questão do uso dos animais em pesquisas humanas, lançando luz sobre vários aspectos, com argumentos contrários e também favoráveis. Não foi o que a Folha fez. Muito pelo contrário, o jornal preferiu ofender os ativistas que, estes sim, estão possibilitando um debate nacional sobre a necessidade de evoluirmos no respeito às outras espécies e à sustentabilidade da vida no planeta.

Não é de se estranhar que tal postura venha da Folha, um jornal que escreveu, no mesmo espaço de editoriais, que o Brasil não teve uma ditadura, mas uma "ditabranda". Ou seja, para a Folha, nossa ditadura não foi tão violenta e não doeram nada as perseguições, ameças, exílios, torturas e mortes. 

Aliás, não apenas a Folha, mas a velha mídia em geral, grande beneficiada com anúncios da indústria dos cosméticos, se lambuza em incoerências e informações direcionadas ao que lhe convém. A Veja, que hoje também ridiculariza os ativistas que resgataram os beagles, deu destaque a uma entrevista, em 2010, que tem como título: "A pesquisa científica com animais é uma falácia". (clique aqui e leia)

Eis um exemplo de jornalismo que faz testes em humanos, experimentando qual o limite da ignorância e da alienação de um cérebro.

Foto: Shutterstock

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sobre o leilão de Libra


As ações da Petrobras, que segundo a velha mídia está falindo, dispararam na Bolsa de Valores de São Paulo.

O motivo foi o leilão de Libra, joia do pré-sal, que aconteceu no Rio e teve como vencedor um consórcio encabeçado pela mesma Petrobras, que quase foi vendida como Petrobrax na década de 90, quando uma plataforma da estatal chegou a afundar por pura incompetência de quem a administrava.

A União, que segundo a velha mídia está um caos e ainda vai piorar, ficará com 75% do que Libra produzir de riquezas (somando o que fica com a Petrobras, que é uma empresa pública, somam-se 85%). Dos royalties desta que é a maior licitação da história do Brasil, 75% vão para a educação. Sim, educação! Dos brasileiros! Outros 25% vão para a saúde. São recursos que chegam aos trilhões de reais. Históricos.

A Petrobras não teria condições de extrair, sozinha, o petróleo de Libra, que é a maior reserva do Brasil, mas fica com 40% do bolo, o dobro de cada uma das empresas que ganharam o consórcio com a estatal brasileira. Uma parceria público-privada em que o público entra com soberania e o privado, como parceiro.

A velha mídia, esta sim falindo em seu ditatorialismo editorial por não conseguir recolocar no poder seu partido político (o mesmo que quase vendeu a Petrobras e o petróleo que é nosso), ainda procura argumentos contrários para noticiar que o leilão foi um fracasso. Talvez forme, junto aos black blocs, o consórcio dos derrotistas.

O fato histórico de Libra certamente não terá a grandeza merecida nas folhas carcomidas da velha mídia, mas não importa. As folhas logo estarão embolorando nos museus, enquanto o Brasil continua.

(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

sábado, 19 de outubro de 2013

Os beagles, entre o passado e o futuro


Fazia anos que entidades ligadas à defesa dos animais denunciavam os testes ocorridos no Instituto Royal e nenhuma instância dos poderes constituídos tomaram qualquer providência, de fato (claro, essas instâncias existem para atender interesses humanos, e só). Então, os ativistas arregaçaram as mangas e entraram no instituto, resgatando com as próprias mãos os cães que eram usados como cobaias para a fabricação de produtos da indústria dos cosméticos, por exemplo.

Praticaram crime ao invadir uma propriedade privada? Furtaram? Poderão ter de enfrentar tribunais por isso? À luz da lei, sim. Mas, também à luz de leis, por muitos anos pessoas de pele negra podiam ser escravizadas, acorrentadas, surradas e torturadas. Foi preciso haver gente como esses ativistas, que transcendesse as "regras vigentes", para se mudar um absurdo que era legalizado, dada a "conveniência" do status quo.

Da mesma forma que os cientistas que defendem o uso irrestrito de animais em pesquisas dizem que, sem usar bichos como cobaias, não nos curaríamos de doenças, os fazendeiros escravistas do sul dos Estados Unidos, por exemplo, ou fazendeiros brasileiros, também não viam nenhuma possibilidade de tocar seus negócios e produzir alimentos sem acorrentar os negros e fazer com eles o que bem entendessem. Precisou alguém romper as cercas, os muros e colocar luz na questão, possibilitando outras formas de trabalho.

Essa é a diferença entre os reacionários e os progressistas. Aos reacionários, o que existe não pode mudar e deve-se sempre olhar para trás, enquanto que, para os progressistas o único caminho é ir pra frente, nem que para isso se necessite mudar posturas, padrões, quebrar tradições.

Por falar em reacionários, a Veja, baluarte do pensamento ultraconservador do Brasil, acaba de dar sua sentença sobre o caso dos beagles retirados do Royal (não vou postar o link, pois não devemos lhe dar ibope): os ativistas, para a revista dos Civita, são "bandidos e baderneiros que deveriam ser presos". Eis a cegueira de uma publicação arrogante que só sabe olhar para trás, nunca para a frente.

A ciência já descobriu que animais sentem dor e medo, tal qual os humanos. Já descobriu que eles desenvolvem laços de afetividade inclusive com humanos. A ciência também já criou computadores capazes de simular experimentos com mais exatidão que cobaias. Então, o que ainda estamos fazendo ao ferir vidas cruelmente em nome de uma arrogante superioridade, bem num tempo em que a palavra de ordem é a sustentabilidade entre as espécies? Temos o direito de queimar os olhos de um coelho ou rasgar a língua de um cão para aprimorar o creminho que passamos nas mãos para ela ficar mais hidratada? Temos o direito de destruir a pele de um beagle para melhorar a pomada antirrugas que passamos no rosto, porque não aprendemos sequer a envelhecer e nos drogamos, nos cortamos, nos esfolamos para parecer sempre jovens?

Os ativistas que retiraram os cães do Instituto Royal estão à frente do nosso tempo, por isso enfrentam resistências da porção atrasada da sociedade. Eles vislumbram um mundo onde é possível conviver com as espécies sem escravidão e com respeito à mãe que nos une e está acima de todos nós: a Terra, tão machucada pelos experimentos da "suprema" ciência. E eles estão certos, pois um mundo sustentável não é só possível como necessário. Desnecessários são os reacionários, sempre a nos puxar para o passado.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Bolsa Família: vamos aos fatos!


O Bolsa Família ainda é uma trincheira dentro da qual a (e os metidos a) elite brasileira insiste no velho clichê de que "não adianta dar o peixe sem ensinar a pescar". Ironicamente, grande parte dos que repetem essa ladainha são os que fazem dos rios e oceanos deste país seus pesqueiros particulares e não pescam com as próprias mãos, mas se apropriam de benesses espúrias como a especulação financeira, a especulação imobiliária e a exploração do trabalho alheio.

Eu gosto dos fatos, mais que dos sofismas. E, nesta semana, dois fatos interessantes estão relacionados ao Bolsa Família. Vamos a eles.

O primeiro são números: em dez anos de implantação, o Bolsa Família contribuiu com a redução de 28% da pobreza brasileira, superando em 70% a meta estabelecida pelas Nações Unidas para o milênio. Tem mais: a cada 2% gasto com o Bolsa Família, 12,5% são transformados em benefícios para toda a população, pois o programa, além de diminuir a pobreza, estimula a economia e o consumo (clique aqui para ler o que o Estadão teve de admitir).

Tudo fica ainda mais interessantes em números absolutos: 522 mil famílias beneficiadas, 1,7 milhão de famílias (ou 5 milhões de pessoas) tiradas da pobreza e 17,5 milhões de crianças mantidas na escola, já que o Bolsa Família condiciona o pagamento do benefício à educação. A cada 1 real investido no programa, o retorno para a economia brasileira é quase o dobro: R$ 1,78. (clique aqui para ler o que o Valor Econômico teve de admitir)

O segundo fato é o reconhecimento internacional do programa: a conquista do I Prêmio para Desempenho Extraordinário em Seguridade Social (Award for Outstanding Achievement in Social Security), anunciado em Genebra, na Suíça, para o governo brasileiro. O Bolsa Família disputou com vários outros do mundo todo, e venceu, por seus méritos (clique aqui para ver o que o Correio Braziliense teve de admitir).

Não, eu não estou dizendo que esse programa se basta, que é um fim em si mesmo, que não depende de outras ações no sentido de estimular a busca por mais que uma mísera renda governamental. Mas é um começo como nunca houve num país onde o Estado sempre serviu aos donos da Casa Grande, enquanto à Senzala só restavam as chibatadas, a humilhação e a miséria.

Irônico é que as vozes contrárias que se vêem por aqui são representadas por quem tem menos "moral" para fazê-lo. A Globo (que omitiu a premiação do Bolsa Família no Jornal Nacional) sonega impostos que poderiam bancar a saúde e a educação; a Folha, o Estado, a Veja (que sempre criticaram o programa) gozam de total isenção fiscal do papel que sujam com suas rotativas, dinheiro que também poderia ser destinado a investimentos sociais; e todos desta velha mídia recebem gordas verbas públicas, em propagandas governamentais, para se sustentarem. 

Também não gosto desta ironia bizarra. E continuo preferindo os fatos. Pois vivam os fatos!

PS: Um detalhe final, Irlanda, França, Reino Unido e Holanda chegam a gastar 4% do PIB com transferência de renda. O Bolsa Família custa só 0,5% do PIB brasileiro, menos do que o governo FHC gastava com os juros da taxa Selic, no Volsa Especulação. (clique aqui para ver o que a Band News teve de admitir)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Profissão repórter: é proibido pensar!


Ontem assisti ao "Profissão Repórter". O tema me chamou a atenção: ocupações de edifícios abandonados em São Paulo, retrato escancarado da desigualdade urbana, da especulação imobiliária e do esbanjo dos quem têm muito versus a falta de um teto aos que têm quase nada.

Os jovens repórteres buscavam fazer jus ao slogan do programa ("o desafio da reportagem") e eis que Caco Barcellos, um jornalista de história memorável, dá o tom bem ao estilo Ali Kamel, tipicamente global. 

O jovem repórter argumenta: "Eles não gostam de ser chamados de invasores, porque invasão remete à violência". Mas Caco rebate: "Eles podem se chamar do que quiserem, mas a gente vai chamá-los do que nós quisermos!".

Ah, claro! Falou o editor, o dono das interpretações e dos fatos!

Com tal postura, Caco ensina aos jovens jornalistas o suprassumo do manual da velha mídia: independente das fontes e dos fatos, o que importa é o que o veículo em questão (no caso, a Globo) acha e impõe como verdade, e não há espaço para reflexão do espectador. É a comunicação em via de mão única, tão arrogante quanto decadente.

O que Caco (ou, a Globo) impediu era justamente a melhor questão a se fazer sobre a pauta: trata-se de uma situação em que há mocinhos de um lado e bandidos de outro (invasores cruéis versus proprietários coitadinhos)? Ou o fato de haver inúmeros prédios vazios e caindo aos pedaços (pertencentes a quem tem outros inúmeros imóveis) numa cidade onde muita gente vive embaixo de pontes é a maior das violências?

A resposta para isso deveria ser do espectador. Não do Ali Kamel, nem do seu fiel escudeiro Caco Barcellos, tampouco da Globo e sua gigantesca sonegação de impostos, que invade qualquer esperança de justiça social.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Eu gosto de ser professor!


Formei-me em Jornalismo, especializei-me em Comunicação, mas gosto mesmo é de ser professor. 

Gosto de ser professor porque os jornalistas muitas vezes acham que já sabem, enquanto, como professor, eu preciso aprender para cada aula, para cada material produzido em quaisquer plataformas, para cada palestra a ser dada -e é tão bom aprender. Além disso, como professor eu falo de perto com quem interajo, e nessa conversa não existe uma via de mão única, mas o espaço do contraditório. E existe um processo, evolução, resultados...

Gosto de ser professor quando aproveito o repertório do jornalismo buscando informar para transformar (e não para deformar). E, então, minha consciência fica em paz comigo mesmo, com meu país e com o mundo. Aliás, se não fossem os bons professores não haveria os bons leitores, capazes de diferenciar os fatos das invenções.

Gosto de ser professor e acreditar que naquela sala de aula ou naquele auditório existe uma energia fluindo, a energia do conhecimento, da reflexão e da dialética, e essa energia é capaz da mais poderosa das revoluções, a busca por mais igualdade, por mais justiça, por mais liberdade ancorada no entendimento da diversidade da vida.

Gosto de ser professor porque enquanto o jornalista acha que dá respostas prontas, o professor instiga às perguntas. E antes do jornalista, do médico, do advogado, do engenheiro ou do gerontologista precisa existir o professor.

Gosto de ser professor porque aprendi com meus professores e com meus alunos que o aprendizado é sagrado e tão necessário quanto o oxigênio. E quando sou professor eu me sinto fazendo parte de uma procissão sem dogma, que nos tira da ignorância e nos liberta da alienação.

A todos os professores e alunos que tive e ainda terei, obrigado por me possibilitarem essa certeza saborosa: eu gosto de ser professor e, trabalhando em várias esferas da docência, eu me sinto mais jornalista!